Criada com uma mentalidade urbana e com raízes no solo rural, Goiânia nasceu para reposicionar Goiás como capital, substituir a imagem de um estado atrasado e simbolizar o moderno, segundo historiadores. Nesta quinta-feira (24), ao completar 91 anos, a cidade exala versatilidade. Nas ruas, a simplicidade acolhedora dos goianienses se complementa com o luxo ostentação que destaca a capital nacionalmente.
“Goiânia é uma capital que mescla o urbano com o rural, o campo com a cidade, a tradição com a modernidade, o nacional com o regional, o sertão com o litoral. O habitante da cidade tem uma conexão muito forte com essas duas dimensões”, explicou o historiador Nasr Fayad Chaul.
A identidade do goianiense reflete bem a fusão entre tradição e modernidade, muitas vezes impulsionada pelo agronegócio. De um lado, há listas de espera para a compra de carros de luxo, joias e mansões; de outro, famílias que mantêm tradições, como as pamonhadas, e se reúnem para prosear na porta de casa no fim da tarde. Nesta reportagem, mergulhe na versatilidade da capital e conheça a quase centenária Goiânia.
Criada para desconstruir
Goiânia foi projetada por Pedro Ludovico na década de 1930 para integrar Goiás ao projeto nacionalista do governo Vargas. Para o historiador Nasr Fayad Chaul, a capital foi criada para contrastar com a antiga capital, cidade de Goiás, que era dominada pelo coronelismo e vista como isolada e atrasada.
Pedro Ludovico, então, usou seu conhecimento para desconstruir essa imagem, trazendo uma nova goianidade que se opunha ao processo histórico e à visão negativa do estado. Inaugurada em 1942, Goiânia incorporou influências culturais francesas e britânicas, adotando o estilo Art Déco, com avenidas que convergiam para o centro de poder, refletindo o Estado Novo, segundo Chaul.
O goianiense tradicional
Morador do Jardim América, em Goiânia, Goiás — Foto: Michel Gomes/g1 Goiás
Moderna com relação ao seu passado histórico cravado no interior. Foi assim que Chaul descreveu o perfil da capital. Mesclando o urbano com o rural, Goiânia tornou-se uma capital dicotômica. Para formar a identidade goianiense, foi necessário unir tradição e modernidade.
“Goiânia gestou as maiores duplas sertanejas, ao mesmo tempo em que tem um rock de garagem que extrapolou as fronteiras do país. Ela tem as tradições da sua Pecuária, mas também tem a [companhia de dança] Quasar, demonstrando essas extremidades que são fascinantes para estudar o processo cultural da cidade”, ponderou Chaul.
Além da cultura, o historiador destacou o forte vínculo de Goiânia com o agronegócio. “É uma capital moderna, mas extremamente conservadora. O goianiense é cordial e receptivo, porém, ao mesmo tempo, muito apegado às suas raízes. É uma capital cosmopolita de internet e currais”, observou.
Para Chaul, Goiânia apresenta um contraste entre o Art Déco edificado no início da capital e, ao seu redor, muitas casas que ainda simbolizam o ambiente rural. Esse misto dá ao goianiense uma aparente duplicidade, mas também uma dialética importante. “O goianiense que vai ao show de Paul McCartney ou de rock pesado não difere muito daquele que vai aos grandes shows sertanejos. Ele consegue ter um pé em cada lado”, brincou o historiador.
Do mercado popular ao luxo
Loja que vende a marca Porsche em Goiânia, Goiás — Foto: Michel Gomes/g1 Goiás
Goiânia é uma cidade versátil, capaz de abrigar tanto o mercado de luxo quanto o popular. Essa diversidade reflete o perfil do consumidor goianiense, onde ambas as tendências coexistem e se influenciam mutuamente, segundo Hélia Gonçalves, superintendente executiva da Câmara de Dirigentes Lojistas de Goiânia (CDL), que observa esses dois extremos do mercado.
“O mercado de luxo está muito ligado ao status e ao prestígio. Já o mercado popular tem outros valores em foco, atendendo a uma demanda do consumo brasileiro, onde as promoções são usadas para atrair um consumidor cada vez mais exigente”, explicou Hélia.
Dados da CDL Goiânia mostram que o consumidor local valoriza status e prestígio, o que explica o crescimento de lojas voltadas ao comércio de luxo na capital, segundo Hélia Gonçalves. Um exemplo claro é a loja de uma das marcas de carros mais renomadas do mundo, a Porsche. Em Goiânia, há fila de espera para adquirir os modelos, que podem custar a partir de R$ 900 mil.
“A Porsche trabalha com mais demanda do que oferta, por um motivo muito simples: os carros são feitos sob encomenda. Aqui, o cliente pode montar o carro do seu jeito. A maioria dos veículos que recebemos já chega vendida. Temos uma fila de espera que pode ultrapassar um ano, dependendo do modelo”, explicou Roberto Cury, diretor de operações da Eurobike.
Outro mercado que vem crescendo e posicionando Goiânia em destaque nacional é o comércio de joias e relógios de luxo. Em um dos shoppings mais renomados da cidade, entre diversas lojas de grifes internacionais, uma em particular se sobressai: a venda de relógios que podem chegar a R$ 600 mil. Este estabelecimento consolidou-se no mercado exclusivo goianiense.
“Há pessoas que esperam entre 4 e 6 anos por algumas peças. A demanda mundial é muito grande, e a marca distribui uma quantidade limitada para o mundo todo. O produto que está em espera aqui, também está em lista de espera no resto do planeta. Representamos marcas globais da mesma forma que as lojas de Paris, Hong Kong e Nova York. Estar em Goiânia não nos deixa atrás. Não é preciso viajar para ver o que está acontecendo lá fora, porque já está acontecendo aqui. Isso coloca Goiânia no mesmo patamar de qualquer outra cidade,” explicou Flávio Lima, proprietário da joalheria Danglar.
Relógios de luxo vendidos em Goiânia, Goiás — Foto: Michel Gomes/g1 Goiás
Além do crescimento do mercado de luxo, Flávio também observou mudanças no perfil do consumidor goiano. Herdeiro de uma tradição familiar de joalheiros com mais de 60 anos no mercado, ele aponta que cada vez mais jovens estão investindo em joias e produtos de luxo. Esse aumento, segundo ele, ocorreu após a pandemia. Outra característica que destacou Goiânia foi a receptividade calorosa do povo, algo que faz diferença nesse segmento.
Para estreitar os laços com os clientes, as lojas de luxo focam em experiências exclusivas. “O goiano tem um jeito acolhedor. O relacionamento é o nosso forte. As lojas de luxo em Goiânia sabem disso. Atendemos clientes que viajam o mundo e, se não oferecermos algo diferente, seremos apenas mais uma loja. O que nos diferencia é o atendimento exclusivo, já que o produto você encontra em qualquer lugar,” acrescentou Flávio.
Relógios de luxo vendidos em Goiânia, Goiás — Foto: Michel Gomes/g1 Goiás
Além de carros e joias, o mercado de luxo goianiense também se destaca na alta gastronomia. Com restaurantes situados em rooftops, chefs premiados e uma variedade de opções, os turistas e moradores da capital têm à disposição uma rica experiência culinária. Um exemplo é o Nino Cucina e o Giulietta, estabelecimentos que vieram de São Paulo e se instalaram em Goiânia.
“O grupo percebeu que Goiânia oferece oportunidades para a alta gastronomia. Por isso, decidimos expandir e trazer o Nino Cucina e o Giulietta para cá, impulsionados pelo crescimento do mercado imobiliário e do agronegócio,” explicou Vinícius Leite, sócio do grupo Alife Nino.
Com um cardápio assinado por um chef com estrela Michelin e localizado em frente ao famoso Parque Vaca Brava, o restaurante precisou se adaptar para agradar ao público local e se diferenciar de sua matriz em São Paulo. “O público goiano tem algumas peculiaridades, inclusive na questão da rotatividade. Em São Paulo, as pessoas costumam circular mais pelos restaurantes, enquanto em Goiânia elas tendem a ficar no local por muito mais tempo. Além disso, introduzimos o cardápio executivo para nos ajustarmos ao perfil da cidade,” concluiu Vinícius.
Nino Cucina em Goiânia, Goiás — Foto: Michel Gomes/g1 Goiás
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